Volume 46 – N. 1 – Abril de 2011

Apresentação

A seção Memórias Universitárias explora um tema relevante na história dos estados sulinos, i.e., a influência cultural e econômica decorrente da colonização alemã. Várias nacionalidades fertilizaram com lágrimas e suor o solo brasileiro, mas o objetivo do texto é descrever o início do fluxo migratório, as características dos contingentes e as dificuldades iniciais enfrentadas pelos colonos alemães no Brasil, diferentemente da imagem irreal que temos acerca do processo migratório. As colônias prosperaram e os eventos festivos enaltecem a coragem do povo alemão, mas, inadvertidamente, eles induzem a crer que o processo foi cercado de facilidades. A colonização do país visava a defesa territorial (ocupação de terras devolutas) e o desenvolvimento econômico; muitos colonos foram inicialmente recrutados para compor as tropas de estrangeiros e somente após a conclusão do serviço militar ganhavam algum pedaço de terra; muitas colônias não prosperaram em razão das dificuldades e falta de apoio governamental.

Por muitos anos o Brasil esteve fechado à colonização européia, com exceção dos contingentes portugueses e dos imigrantes forçados (i.e., escravos). O cenário sofreu profunda mudança com a instalação da família real no país (1808), ocasião em que teve início a vinda sistemática de naturalistas alemães, os quais descreveram a biodiversidade e a riqueza do país. Os relatórios estimularam a vinda de colonos e também havia o interesse de João VI em ocupar áreas desabitadas e susceptíveis a conflitos territoriais, como os estados sulinos. Não obstante as ações de João VI, em termos comparativos, o Brasil ainda continuou pouco atraente aos potenciais imigrantes. As colônias da América do Norte (EUA e Canadá) receberam os maiores contingentes, em razão de certas facilidades (e.g., a proximidade geográfica, menor custo das passagens e liberdade religiosa), enquanto as autoridades do governo imperial reconheciam a importância da colonização alemã, mas restringiam os fluxos migratórios ou não foram capazes de proporcionar as devidas condições para a fixação dos colonos em solo brasileiro. O texto examina o papel desempenhado por personagens pouco lembrados na história da colonização alemã, como o Major G.A. von Schäffer (1779-1836) e Caroline Josepha Leopoldine (1797-1826), austríaca e primeira imperatriz do Brasil. É a oportunidade que encontramos para relembrar as dificuldades enfrentadas pelos colonos alemães e esclarecer como surgiram os primeiros assentamentos (i.e., Bahia, Rio de Janeiro e os estados do Sul).

A presente edição também contempla contribuições que abordam temas atuais e oriundos de instituições variadas, algo desejável e que revela o nível de abrangência da Revista de Ciências Humanas. Os artigos examinam a inexistência de projetos civilizacionais, a formação da identidade nacional e campanhas publicitárias veiculadas no semanário Veja; os textos revelam alguns aspectos da cultura brasileira. O mundo dos adolescentes é desvendado em artigos que abordam a gravidez precoce e o fascínio dos jovens aos avanços tecnológicos, mais especificamente a Internet. Os dois temas merecem atenção, em razão do impacto que causa na família e o despreparo das adolescentes para conciliar a sua nova condição na sociedade (i.e., esposa, mãe e dona-de-casa), no primeiro caso, e a sedução do jovem ao mundo virtual (cyber addiction), no segundo caso. As evoluções no mercado de trabalho também são examinadas, mais especificamente no que diz respeito à formação profissional e os efeitos da privatização sobre o gerenciamento das carreiras dos trabalhadores.

O momento atual é uma oportunidade para registrar o passamento de duas personalidades científicas: Aziz Ab’Saber (16 de Março/2012) e Cesar Ades (14 de Março/2012), quase na mesma data e ambos professores renomados da Universidade de São Paulo. O primeiro foi uma referência no campo da geomorfologia e autor de uma vasta produção científica; ele teve atuação destacada junto à Sociedade Brasileira Para o Progresso da Ciência (Presidente de Honra), foi defensor da biodiversidade e crítico severo do Código Florestal, atualmente em debate no congresso. Por seu turno, Cesar Ades foi um dos pioneiros da Psicologia Comparativa, formou uma legião de pesquisadores e atuava no Instituto de Estudos Avançados, da USP. Ab’Saber sofreu uma parada cardíaca e faleceu em sua residência aos 87 anos, município de Cotia, na Grande São Paulo, enquanto Cesar Ades tinha 69 anos e foi vítima do caos urbano das grandes cidades – ele foi atropelado por um carro enquanto caminhava próximo à Avenida Paulista, na capital. As notas finais prestam homenagem aos dois ilustres professores.

Rogerio F. Guerra – Editor de RCH

MEMÓRIAS UNIVERSITÁRIAS

Os alemães no Brasil: expedições científicas, colonização e herança intelectual

ARTIGOS

Ausência de projetos civilizacionais nos primeiros estudos sociais brasileiros
Maria José de Rezende

Do crioulismo americano ao mameluco paulista: processos de Independência e formação do Estado e da Nação em Alfredo Ellis Jr.
Diogo da Silva Roiz

Campanhas publicitárias na revista Veja: construções da globalização
Alessandra Lemos de Oliveira, Angela Maria Rubel Fanini & Maurini Souza

A perspectiva dos pais diante da gestação na adolescência
Ana Cristina Garcia Dias, Naiana Dapieve Patias, Marília Reginato Gabriel & Marco Antônio Pereira Teixeira

A dependência dos adolescentes ao mundo virtual
Bruna Goudinho Gonçalves & Denise Nuernberg

Mercado de trabalho, desempenho acadêmico e o impacto sobre a satisfação universitária
Marucia Patta Bardagi & Claudio Simon Hutz

A educação pelo trabalho, a educação integral e a Escola Politécnica no Rio Grande do Sul
Vladimir Stolzenberg Torres

Transição e gerenciamento de carreira de ex-funcionários de uma instituição privatizada
Elza Fátima Rosa Veloso, Joel Souza Dutra & Rodrigo Cunha da Silva

A formação e a trajetória do maior porto agroexportador do Brasil – Paranaguá
Edson de Morais Machado

LIVROS

La Historia como Sistema
Maria Aparecida de Andrade & José Maurício de Carvalho

Escola de Braga – a correspondência com Delfim Santos
João Eduardo Pinto Basto Lupi

OBITUÁRIO


Aziz Nacib Ab’Saber (1924-2012)

Cesar Ades (1943-2012)